A Secretária que faz: Terminava o faz de conta
Frequentei os oito anos do ensino fundamental na Escola Básica
Municipal Alberto Stein, localizada a 1km de nossa casa. Em dezembro de 1975,
ao completar a 8a série, decidi abandonar o faz de conta. Era hora de
navegar outros mares! Aventurar-me-ia pelo mundo do trabalho.
Precisava de um emprego se quisesse continuar meus estudos. Na
época, somente jovens com vínculo empregatício podiam se matricular no ensino
médio noturno do Conjunto Educacional Pedro II. A crise já existia e encontrar
um emprego não era tarefa fácil. Onde trabalhar?
Fiz curso de datilografia e de auxiliar de escritório no
SENAC. Certo dia, tomei a liberdade de conversar com a professora Dirce e
candidatei-me para trabalhar de camareira no hotel que ela inauguraria no mês
seguinte, em janeiro de 1976. Este foi o primeiro “sim” da minha trajetória
profissional. Em poucos dias passei de camareira a telefonista do hotel.
Entretanto, não considerei minha busca concluída. Lia o
jornal diariamente com especial atenção à página de classificados. Num certo dia
de março, deparei-me com o anúncio de uma vaga para auxiliar de escritório em
uma empresa de representações.
Após ser entrevistada pelo gerente e fazer o teste de
datilografia, fui contratada. O salário? Era igual ao que recebia como
camareira: um salário de menor. Assim se chamava o meio salário mínimo que era
pago aos menores que trabalhavam na época. Naquele momento, porém, isso não
importava. O que eu buscava era experiência para, algum dia, trabalhar no
escritório de uma empresa de renome internacional, junto à alta administração.
No escritório dessa empresa de representações, exerci a
função de recepcionista, telefonista e datilógrafa por oito meses. A maioria do
meu tempo de trabalho era destinada à datilografia e à reprodução de
documentos. Foi nesse período que aprendi a usar um dos principais equipamentos
de comunicação escrita instantânea da época: o telex, que sinalizava o fim das
semanas e semanas de espera pelas correspondências enviadas via correio.
Logo que comecei a trabalhar nesse escritório, passei a
admirar a secretária do gerente: uma profissional competente, dinâmica e
respeitada por todos os representantes e fornecedores da empresa. Eu a considerava
privilegiada por dispor de uma máquina de escrever elétrica, que lhe permitia realizar
um trabalho muito mais apresentável.
Eu só tive este privilégio alguns meses depois, em novembro
de 1976, quando comecei a trabalhar no escritório de uma indústria produtora de
fios de algodão. Fui contratada para secretariar o gerente administrativo-financeiro,
embora, fosse registrada como auxiliar de serviços administrativos. Na época ainda não existia a Lei 7.377/85, que
regulamenta a profissão de secretário(a). Hoje, a lei existe, mas muitas
empresas insistem em registrar secretários(as) como auxiliares ou assistentes.
No contexto
tecnológico atual, talvez pareça difícil de acreditar, mas a máquina de
escrever elétrica com que trabalhei nessa indústria revolucionou minha vida
profissional, pois era equipada com uma fita corretiva, que evitava o
retrabalho de datilografar uma página inteira em função de um ou outro erro. O
surgimento da reprografia também foi de grande valia para agilizar as
atividades.
No escritório
desta indústria produtora de fios também aprendi a elaborar os documentos
necessários para exportação e importação de mercadorias. E, embora meu
envolvimento fosse meramente burocrático e operacional, cresceu em mim o
fascínio pelo mundo do comércio exterior e, com ele, a vontade de aprender
inglês e alemão for business purposes.
Admirava sobremaneira a competência de redigir e conversar em inglês da
secretária do diretor de exportação. Decidi qualificar-me para “ser ela
amanhã”.
Aos dezoito
anos, quando me perguntavam:
―
O
que você quer ser daqui a 10 anos?
Respondia
convicta:
―
Secretária
executiva trilíngue de uma empresa de renome internacional.
Hoje, percebo
que o que manteve meu foco e delineou minha trajetória foi a atitude pautada
nos 3Ds: determinação, dedicação e disciplina.
Não sou
professora de comportamento profissional e social por acaso. Um episódio aparentemente
comum, ocorrido na indústria de fios, marcou e redirecionou minha trajetória
profissional. Vamos a ele.
Em certa
ocasião – ainda no ano de 1976 - a empresa recebeu a visita de três gerentes de
renomado banco internacional, muito bem vestidos e alinhados com seus ternos
escuros. Os ilustres visitantes foram recepcionados pelo meu chefe.
Na hora de
servir o café, no caminho entre a copa e a sala de reuniões, com a bandeja de
inox nas mãos, entrei em pânico, comecei a tremer, e os pires ficaram
encharcados do precioso líquido escuro. Habilidade zero. Quando os visitantes
foram embora, o gerente me chamou na sala dele e disse:
―
Desta
vez passa, na próxima sirva o café de forma impecável!
“Manda quem
pode, obedece quem tem juízo”. Você conhece este ditado? Aprendemos aquilo que
sentimos a necessidade de aprender. Naquele dia, prometi a mim mesma que a
elegância seria minha bandeira. Incansavelmente, procurei aprender atitudes
elegantes e exercitá-las no convívio social e profissional. Atitudes, estas,
sempre pautadas no respeito, na cortesia e no bom senso.
Com o passar
do tempo, adquiri inúmeras competências técnicas, mas a forma de lidar com as
pessoas foi o diferencial que me trouxe credibilidade profissional. Por isso,
sempre alerto aos profissionais e estudantes de secretariado: não basta estar
elegante, é preciso ser elegante.
Fonte: Wamser, Eliane. A Secretaria que faz... Blumenau: Nova Letra,
2010, p. 17-20.
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