Dos Escribas à Internet: um pouco da história da profissão de secretário (parte I)
A origem da função de secretário é antiga. Teria surgido com
os escribas na história antiga. Os primeiros registros feitos pelos escribas
surgem no período Dinástico (aproximadamente 3.200 a 525 a . C.). Juntamente com os
precursores do secretariado, surge também o papiro e a escrita hieroglífica,
que é a escrita antiga mais famosa pela sua beleza e grau de elaboração dos
caracteres.
Os escribas eram homens pertencentes à
classe de pequenos e médios empregados, que dominavam a escrita hieroglífica, e
dada a sua complexidade, gozavam de certo prestígio entre os egípcios (Schvinger
et al., 1985). Já naquela época, fazia-se necessário frequentar uma escola para
o aprendizado do ofício. Os reis, geralmente, mantinham escribas na corte para
copiar manuscritos e escrever cartas e documentos oficiais. Em várias partes do
mundo, hoje, há pessoas que ainda não sabem escrever e dependem dos escribas
para o trabalho de escrita.
Os antigos escribas copiavam a lei.
Transformaram-se, mais tarde, em um grupo de sábios que ensinavam e
interpretavam as escrituras e se encarregavam dos documentos oficiais. Além
disso, faziam as contas, ou seja, eram também responsáveis pela contabilidade.
Os secretários de então eram todos homens.
O
objetivo deste texto é resgatar a história da profissão de secretário no Brasil,
elencando as atribuições dos secretários antes e a partir da década de 90. Procuramos
mostrar as características dos escritórios e os impactos das mudanças
organizacionais, administrativas e tecnológicas na profissão, bem como
identificar as competências exigidas, pelas organizações, dos profissionais do
secretariado face a essas mudanças, a partir da década citada.
AS
MULHERES NO CENÁRIO
As mulheres só teriam surgido no
cenário como secretárias quando Napoleão Bonaparte decidiu levar uma para
assessorá-lo no registro de suas estratégias de batalha, em suas campanhas. Só
que Josefina, sua esposa, foi contra e Napoleão teve que substituí-la por um
homem. O fato ocorreu por ocasião de sua fatal invasão da Rússia. (Bertocco
& Loyola, 1979).
A primeira fase da
Revolução Industrial, iniciada em 1760, proporcionou o desenvolvimento do maquinário
na indústria e lançou os alicerces da civilização e da estrutura empresarial
que hoje conhecemos. Até o fim do século XIX, o acesso ao trabalho nos
escritórios era exclusividade masculina, apesar do trabalho da mulher vir desde
a Antiguidade. Ela atuava na agricultura, na confecção de vestimentas, no
fabrico do pão e de outros alimentos, e seu salário muitas vezes não chegava a
cinquenta por cento daquele pago aos homens.
Para Schvinger et al. (1985, p. 86),
“a feminização dos serviços de escritório pode ser considerada como um dos
casos mais antigos de feminização profissional, a ponto de cristalizar nas
atividades de escritório as imagens mais
estereotipadas do trabalho feminino.” O acesso das mulheres ao escritório
aconteceu por volta de 1870, principalmente com o advento da máquina de
escrever.
Na
opinião de Drucker (1971, p. 87), nenhuma feminista do século dezenove
“provocou maior impacto sobre a posição social da mulher quanto a máquina de
escrever e o telefone.” Ele afirma que a máquina de escrever e o telefone
possibilitaram às “jovens mulheres respeitáveis e bem educadas” deixar seus
lares e levar uma vida respeitável às suas próprias custas.
Bertocco e Loyola (1979, p. 20) escrevem que
em
1877, a
primeira desta nova raça, entrou timidamente num escritório de Nova York e
orgulhosamente anunciou ser ela a nova secretária do chefe. O homem explodiu,
blasfemou, indagando o que estava acontecendo ao mundo e já se inclinava para
pegar o telefone e contratar um homem. Deu-se então o primeiro passo pela
emancipação feminina: a jovem rompeu em prantos, seu chefe cedeu - e a primeira
mulher secretária americana levou os louros do dia.
A partir deste
acontecimento, uma série de alterações nos escritórios foi se processando. “O
relegado lavatório brilhava, o tão inestético cuspidor desapareceu
misteriosamente, a fumaça dos charutos diminuiu, surgiram cortinas nas janelas
e muitos foram os palavrões engolidos pelos executivos enrubescidos.” (Bertocco
& Loyola, 1979, p. 20).
O ingresso das
mulheres nos escritórios também gerou uma hierarquização de tarefas e salários.
Aos funcionários homens couberam as tarefas de prestígio e responsabilidade, ao
passo que as mulheres tinham que fazer os serviços rotineiros e mecânicos, em
virtude da suposta comprovada habilidade manual. A função do homem secretário
foi se tornando cada vez mais de administração, enquanto ele se tornava um
substituto para o executivo e o seu sucessor na administração dos negócios. Com
esta mudança, mais e mais mulheres eram contratadas e treinadas para realizar
tarefas de apoio à administração masculina. (Jaderstrom et al., 1997).
Nos escritórios, as
mulheres, também, tinham um salário inferior aos dos homens; isto fez com que
empregadores inescrupulosos preferissem contratá-las. Em virtude do
considerável número de trabalhadoras do escritório, em 1911 elas se reuniram e
reivindicaram melhores salários, melhores condições de trabalho, além de outros
benefícios. Bertocco e Loyola (1979, p. 21) afirmam que “graças aos esforços
dessas pioneiras, os ordenados subiram para uma média de US$ 20.00 semanais e a
maioria delas conseguiu, ainda, obter de seus chefes uma semana de férias (não
pagas) por ano.”
Mas foi a Primeira
Guerra Mundial que deu, sem dúvida, um grande estímulo à integração da mulher
nos escritórios. Ela precisou substituir o homem; havia procura de mão-de-obra
e ela respondeu ao desafio. Em 1920, nos
Estados Unidos, já “havia 1,2 milhão de mulheres desempenhando os cargos de
secretária e estenógrafa.” (Bertocco & Loyola, 1979, p. 21).
Schvinger et al.
(1985, p. 86) lembram que “o acesso ao escritório determinou a inserção da
mulher na vida econômica bem como a aquisição de uma identidade social.” Além
de terem influenciado uma série de mudanças sociais e econômicas, com o objetivo
de proporcionar à mulher mais tempo livre à sua disposição, apesar do trabalho
nos escritórios e nas atividades do lar. Quais foram estas mudanças? Bertocco e
Loyola (1979, p. 21) mencionam as mais relevantes: “construção de casas e
apartamentos menores que exigiam menos cuidados e trabalhos de manutenção;
alimentos enlatados, máquina de lavar roupa, ferros de passar elétricos e
roupas feitas.”
Segundo Medeiros e Hernandes (1995, p.
39), a mulher “deixou o reduto de sua casa e partiu para conquistar o mercado
de trabalho, abandonou paulatinamente a dependência a que estava sujeita para
alcançar posições e direitos que lhe eram negados.”
No começo dos anos 30, surgiu a
primeira mulher a ocupar o cargo de secretária executiva em virtude do
desdobramento das funções de secretária, datilógrafa e estenógrafa. Seu perfil
era de uma jovem distinta, ativa em tudo, do tênis à política. O fato da função
ter passado a ser considerada basicamente feminina não quer dizer que deixaram
de existir homens exercendo o cargo.
No Brasil, a função de secretário já
vem sendo exercida há décadas. Infelizmente, o problema da ausência de memória
nacional sobre a atividade secretarial não permite que se tenha nem registros
nem literatura a respeito. Presume-se, segundo Casimiro, em palestra proferida
na IV Convenção Nacional de Secretárias, em 1976, em Salvador (BA), que a
função secretarial começou, coincidentemente, com a Semana de Arte Moderna - evento de largo significado
cultural, em 1922. Data daquela época, por deduções, de acordo com a mencionada
professora, substancial aumento do emprego da mão-de-obra feminina nas empresas
paulistas, cariocas e, em menor escala, no ambiente belo-horizontino. Modernos
escritórios executivos surgiram com o crescimento das atividades de comercialização
cafeeira e a implantação da indústria têxtil, dando lugar à utilização da
mulher no desempenho de atividades secretariais menores - da recepção à
datilografia.
A
FUNÇÃO DE SECRETÁRIO, NO BRASIL, NAS DÉCADAS DE 50, 60 E 70
Foi a partir dos anos 50 que o
profissional do secretariado começou a ser notado nas organizações como força
no mercado de trabalho, principalmente com a chegada das multinacionais da
indústria automobilística. (Natalense, 1998). Suas atribuições limitavam-se à
execução de técnicas secretariais básicas (datilografia, taquigrafia, arquivo,
agenda e atendimento telefônico). Era julgado e valorizado por suas habilidades
técnicas, constituindo-se em mero executor das atividades determinadas pela
chefia.
Nesta condição, cabia-lhe recepcionar
os visitantes; atender ao telefone e anotar os recados para seu chefe;
colocá-lo em contato telefônico com as pessoas com as quais ele desejasse
falar; tomar nota através do ditado das correspondências e depois
datilografá-las; arquivar as correspondências e demais documentos. Muitas de
suas atividades eram de cunho particular da chefia, também denominadas, por
muitos profissionais, de tarefas domésticas e sociais. Era pago para executar e não questionar, uma
atitude muito comum à época. Sua rotina de trabalho era imposta pelo chefe e
geralmente desligada do conjunto da organização.
Por ter-se tornado
uma função eminentemente feminina, a exigência de boa aparência - neste caso
sinônimo de beleza física e não de uma postura profissional apresentável - e
exímia datilografia eram condições básicas para o ingresso na função. A maioria
dos chefes entendia que a secretária deveria ser uma moça jovem, que com seu
sorriso atendesse àqueles que os procurassem. O recrutamento era feito por eles
e não havia nenhum critério de avaliação,
promoção e muito menos de treinamento e desenvolvimento. Apenas a sua
eficiência ao datilografar era medida. Tinha que ser rápida e impecável.
Por falta de outras opções de
trabalho, ou por uma questão de status,
ou por interesses salariais, ou por acaso, pessoas de diversos campos de
atuação ingressaram na carreira, fazendo-a um trampolim para a busca de outras
opções. Lamentavelmente, acabaram construindo uma imagem negativa que ainda
paira sobre a categoria.
Em termos salariais, era uma função
pouco gratificante. Porém, o status social era atrativo para a
concorrência à vaga, pois poder dizer eu
sou secretária(o) de Fulano de Tal era sinônimo de cargo de prestígio, pelo
menos enquanto trabalhando para aquele empresário influente e bem-sucedido.
Cursos de formação de secretários não
existiam na época. Lúcia Casimiro (1976) confirma estas afirmações, quando
lembra que, habilitados ou não, muitos cumpriam seu papel de assessoria aos
executivos brasileiros tendo uma carreira, mas não uma profissão. Eram
autodidatas e exerciam uma função com
escolaridade limitada ao nível médio.
Este foi, basicamente, o cenário da
função, também nos anos 60, começando a ganhar um novo lay-out no decorrer dos anos 70. Segundo Natalense (1998), no final
da década de 60 iniciaram-se os treinamentos específicos para os secretários,
motivados pelo treinamento gerencial que estava atingindo as chefias.
Consequentemente, passaram a exigir uma nova postura desse profissional, que
intensificou, nos anos 70, o seu treinamento. O secretário passou a ser um
membro dinâmico da equipe gerencial.
Os profissionais do
secretariado conquistaram mais respeito pelo seu trabalho e não apenas a
simpatia das chefias. Começaram a ter seu trabalho reconhecido por seus superiores.
Foi o momento em que passaram a ser vistos trabalhando para uma empresa e não
só para um executivo. Deixaram de ser propriedade particular dos chefes para
serem membros de uma organização. Começaram, gradativamente, a ter uma atuação
mais dinâmica e, assim, ganhar respeito profissional. Natalense (1998, p. 9)
confirma esta afirmação ao escrever que naquela época “60% das profissionais
brasileiras eram serventes, 20% objetos e somente 20% realmente secretárias”.
Em meados da década
de 70, os escritórios já eram muito diferentes dos que haviam existido no
início do século XX. Os secretários tiveram seu primeiro contato com a máquina
de escrever elétrica. A novidade foi um impacto. Realizar um trabalho muito
mais apresentável já era possível. Muitas das máquinas de escrever elétricas
estavam equipadas com fita corretiva. Datilografar uma ou outra letra
erroneamente não era mais motivo para rasgar a folha e começar tudo de novo,
sem, contudo, prejudicar a estética e a limpeza do trabalho.
Foi nesse período,
também, que surgiu o telex e a fotocopiadora. O telex, segundo Medeiros e
Hernandes (1995), era um dos principais equipamentos dentro do escritório
automatizado da época. Significava comunicação instantânea, por escrito,
precisa, recebida no exato momento em que a comunicação era expedida. Sinalizou
o fim da espera de semanas e semanas para a obtenção da resposta de uma carta
enviada, pelo correio, a um cliente ou fornecedor. Houve um ganho considerável
de tempo, agilizando cada vez mais a comunicação e a concretização de negócios.
A fotocopiadora ou máquina “xerox”,
como é chamada no âmbito dos escritórios, teve
uma contribuição importantíssima na transformação da função de
secretário. Por ser uma forma prática e versátil de reprografia, na opinião de Faria
(1986), ela possibilita a reprodução, com rapidez e economia, de qualquer
material escrito, desenhado, impresso ou datilografado. Em conjunto com a
máquina de escrever elétrica e o telex, permitiu um ganho de tempo no dia-a-dia
do secretário, tempo este que muitos souberam usar para melhorar seu
conhecimento na área administrativa.
O trabalho associativo da classe
surgiu para lutar em prol da regulamentação da profissão. Ao mesmo tempo, essas
associações de classe tentavam criar uma nova mentalidade nos profissionais,
diante da falta de valorização da sociedade e do mercado de trabalho. Era
preciso contar com a própria valorização profissional dos secretários.
A Lei 6.556, de 5 de setembro de 1978,
exigia o 2o grau completo como o mínimo de instrução, sendo
desejável e recomendável o curso de secretariado em nível de 2o
grau. Ao final da década de 70, os empregadores começaram a contratar pessoas
com conhecimento e domínio de todas as técnicas e serviços sob sua
responsabilidade e que buscavam aprimoramento constante. Exigiam domínio de
atividades burocráticas, facilidade de expressão oral e escrita, habilidade com
microfones para comunicações internas, ditafones, máquinas de contabilidade,
computadores, fotocopiadoras, mimeógrafos, telefones, telex. (Medeiros &
Hernandes, 1995). Eram, basicamente, os
equipamentos disponíveis nos escritórios, na época.
Texto extraído de:
WAMSER, Eliane. O impacto das mudanças organizacionais na profissão de secretário e a
contribuição do estágio supervisionado em sua formação. 208f . 2000. Dissertação
(Mestrado em Educação), Universidade Regional de Blumenau, Santa Catarina,
2000.
Referências
bibliográficas
BERTOCCO, Neris e
LOYOLA, Angela Schneider. Você,
secretária. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e
Científicos, 1979.
DRUCKER, Peter
Ferdinand. As novas realidades: no
governo e na política, na economia e nas empresa, na sociedade e na visão do
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_______. A nova era da administração. (tradução
de F.R. Nicklsen Pellegrini) 4.ed. São Paulo: Pioneira, 1992.
FARIA,
A. Nogueira de. A secretária executiva. 5.ed. Rio de
Janeiro: LTC, 1986.
JADERSTROM, Susan et al. Professional Secretaries International complete office handbook:
the definitive reference for today’s electronic
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York: Random House, 1997.
MAERKER, Stefi. Secretária: a parceria de sucesso. São
Paulo: Gente, 1999.
MEDEIROS, João
Bosco; HERNANDES, Sonia. Manual da
secretária. 6.ed. São Paulo: Atlas, 1995.
NATALENSE,
Liana. A secretária do futuro. Rio
de Janeiro: Qualitymark 1998.
SCHVINGER,
Amaryllis et al. Secretária: uma ambigüidade em feitio de profissão. Cadernos de Pesquisa. São Paulo, n.54,
p.85-97, agosto 1985.
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