Pertencimento ao Secretariado - parte II
3 SECRETARIADO: CONQUISTAS E OBSERVAÇÕES
SILENCIOSAS
Somado às demandas e exigências advindas dos
desafios de uma gestão sustentável, as empresas estão sendo afetadas pelo cenário atual do Brasil: um
cenário nervoso, inseguro, agitado, incerto, devido às indefinições políticas e
econômicas.
As empresas estão tendo que tomar decisões
estratégicas, com sua implementação conduzida pela ação, pelo empenho e pela
competência dos profissionais que nelas trabalham. Isso demanda profissionais
responsáveis e qualificados para maximizar recursos e tempo, além do
estabelecimento de uma relação de confiança pautada no envolvimento e no
comprometimento. E, acima de tudo, em um aprendizado contínuo. Num piscar de
olhos ou num vacilo, um profissional, indiferente de sua posição, poderá ter
seu emprego afetado. Não há chance de improvisar no trabalho.
O profissional
de Secretariado integra essa equipe como assessor direto de executivos no
desempenho das funções. Tem responsabilidade com as gerações futuras e com a garantia
de sua empregabilidade. Por quê? Primeiro, como ser humano que pertence a esse
Todo Cósmico, como muito bem nos lembra D`Ambrósio (1997). Segundo, como
profissional que fez o juramento de exercer a profissão dentro dos princípios da
ética, da integridade, da honestidade, e da lealdade; respeitar a Constituição
Federal, o Código de Ética Profissional e as normas institucionais; buscar o
aperfeiçoamento contínuo e contribuir, com o trabalho, para uma sociedade mais
justa e mais humana.
Se
fossemos considerar unicamente a mensagem advinda desse juramento transferida
literalmente para o fazer e o agir no cotidiano do Secretariado, teríamos automaticamente
garantido o sentimento de pertencimento da categoria. No entanto, o sentimento
de pertencimento decorre do estado emocional, cultural e social do indivíduo em
determinado contexto. (FARINA, TRARBACH, 2009). Decorre da conscientização e
clareza por parte do
profissional de Secretariado de que ele integra um grupo profissional que é
regido por uma legislação, um código de ética e um escopo de atividades e
atribuições que lhe são pertinentes.
Comunica o seu sentimento de pertencimento,
ou não, por intermédio da postura profissional e pessoal que decide adotar.
Para Mussak (2003, p. 171), “postura é a maneira como nos posicionamos perante
o mundo, e isso vale tanto para atitudes corporais como mentais.” Tem a ver com
o fato de assumir uma posição no local em que se está. Postura é uma forma de
comunicação por intermédio do qual o profissional diz se está ou não
comprometido com os preceitos da profissão, e como quer ser visto e reconhecido
no mercado de trabalho.
Essa
postura é percebida, por exemplo, quando o profissional é capaz de visualizar a
trajetória que a profissão percorreu da época áurea da máquina de escrever até
hoje, reino da Internet e do mundo virtual. Muitas foram as mudanças que
ocorreram na função de secretário até chegar a ser uma profissão reconhecida
por lei. Outras tantas foram as conquistas alcançadas. Sem a pretensão de lembrar
todas, convém recordar algumas.
A publicação
do código de ética profissional, a exigência de registro profissional e a formação
em nível superior, são, no nosso entender, conquistas significativas, que
levaram a tantas outras. A exigência de formação (bacharelado), por exemplo, desencadeou
a abertura de cursos superiores de Secretariado em âmbito de Brasil, que por
consequência provocou a necessidade de se capacitar professores de Secretariado.
Programas de extensão universitária na área foram contemplados; a pesquisa
científica em Secretariado foi ganhando corpo com o surgimento de revistas
científicas; a constituição da Associação Brasileira de Pesquisa em
Secretariado – ABPSEC, que responde de forma institucionalizada pela difusão da
produção científica da área, bem como promover o intercâmbio e a cooperação
entre professores e pesquisadores em Secretariado. Os eventos de Secretariado
também se expandiram em todas as regiões do Brasil.
Em 2004, o Ministério da Educação (MEC), por
intermédio da Secretaria de Educação Superior (SESu), aprovou e divulgou as
Diretrizes Curriculares para os Cursos de Secretariado Executivo. O documento
relaciona as competências e habilidades que as Instituições de Ensino Superior
devem privilegiar na formação de bacharéis em Secretariado Executivo. Em 2006
iniciou-se o processo de aprendizagem dos estudantes pelo Exame Nacional de
Desempenho dos Estudantes – ENADE.
Concomitantemente, houve a abertura de cursos
de pós-graduação lato sensu, que
compreendem programas de especialização, bem como uma gama considerada de
cursos de aperfeiçoamento profissional por diversas entidades e instituições.
São
conquistas que resultaram do empenho, do envolvimento, do comprometimento de um
grupo profissional pautado em um profundo senso de pertencimento ao Secretariado.
São 30 anos de regulamentação que merecem ser comemorados pela categoria,
porque acreditamos que cada um pertencente ao grupo profissional deu sua
contribuição, do seu jeito, a partir de seu espaço e das condições que tinha.
Por
outro lado, também, há sinais que merecem uma atenção mais dirigida porque
podem, num futuro próximo, fragilizar o Secretariado como profissão. Esses sinais
tornaram-se recorrentes, nos últimos dois anos, em conversas com estudantes e
bacharéis em Secretariado durante aulas na graduação ou pós-graduação e em
cursos de desenvolvimento profissional, sem considerar os comentários que
permeiam determinados grupos nas redes sociais. Por meio de conversas e
observações fizemos uma silenciosa e pessoal análise do cenário, que
pontuaremos nos parágrafos seguintes.
Apesar dos 30 anos de
regulamentação, a sociedade ainda reluta em reconhecer o Secretariado como
profissão. Verdade é que considerável proporção de bacharéis não consegue
atribuir valor ao título, que é obtido por intermédio da formação. A formação,
na interpretação de Parson apud
Santos (2011), é a integração do profissional ao corpo social para o desempenho
de sua função.
Ao citar estudos de William
J. Goode, Santos (2011, p. 27-28) escreve que “a sociedade mantém o controle
sobre os profissionais, que desempenham funções específicas no corpo social, e
os grupos profissionais protegem os profissionais de serem constrangidos pela
sociedade como um todo”. Com base na concepção weberiana de abordar as
profissões no campo da Sociologia, Santos (2011, p. 31) destaca que as
“profissões se estabelecem como unidade integradora e excludente ao mesmo
tempo, cumprindo a dupla função de fechar os grupos profissionais em si e
estabelecer a competição com os outros grupos profissionais”.
No subconsciente
organizacional ainda persiste o entendimento do Secretariado tratar-se de uma “ocupação”. De acordo com Parsons (1939, apud SANTOS, 2011, p. 11), “toda
profissão é ocupação, mas nem toda ocupação é profissão”, porque entende que
uma profissão teria a preocupação de devolver à sociedade os conhecimentos
desenvolvidos.
A regulamentação e a formação não estão conseguindo
dar força e sustentação à carreira em Secretariado. É recorrente vermos
profissionais graduados traçando suas carreiras, a partir da sua “ocupação” nas
empresas, desatrelando-as da profissão.
O registro profissional ainda
é exigência feita por poucas empresas. A maioria ignora a legislação; faz isso
com a conivência do bacharel em Secretariado, que se omite em requerer o
registro profissional. A formação profissional, para Merton (apud SANTOS, 2011), permite a
socialização dos futuros profissionais nos valores de serviço à sociedade. O
sociólogo afirma que o diploma na mão é a forma de um profissional se
distinguir do não profissional. Ou seja, daquele que não fez o percurso da
formação.
Iniciativas isoladas
conseguem manter o Secretariado vivo e presente no mundo corporativo, porém sem
avançar. Entidades de liderança sindical, universidades, professores,
estudantes, profissionais graduados, pesquisadores, cada um faz sua parte,
porém com dificuldade de juntos
encontrarem o eixo norteador. Torna-se
primordial conversar mais para amarrar as pontas, que permanecem soltas desde a
regulamentação profissional, e que poderão levar à perda de consistência ao se debater
a profissão.
Os jovens bacharéis em
Secretariado “gritam” e “brigam” pela sua inserção no mercado de trabalho.
Contudo, não “gritam” e nem “brigam” pelo Secretariado enquanto profissão
constituída que é. Fazendo analogia com as responsabilidades que temos diante
da sustentabilidade de nosso planeta, da mesma forma que nos omitimos com
relação às mudanças climáticas, como algo distante de nossa realidade, algo
inatingível, a geração jovem do Secretariado omite-se das responsabilidades de
se comprometer com a profissão. Tem dificuldades de se perceber no contexto do
mercado de trabalho como profissional do Secretariado e delega a
responsabilidade para lideranças sindicais, professores, pesquisadores.
Por sua vez, as Instituições
de Ensino Superior, também, não têm conseguido se comprometer
institucionalmente com a profissão de Secretário. O que se tem visto são resultados
positivos conquistados pelo mérito de poucos docentes fortemente comprometidos
e com um alto grau de senso de pertencimento.
Na direção contrária, também,
acompanhamos professores de Secretariado optando por outras graduações porque pretendem
migrar para outra área por terem desistido do Secretariado. Cabe, no entanto,
perguntar: com que senso de pertencimento ministram suas aulas no Secretariado?
Aliado a isso, assistimos a um esvaziamento dos cursos de Secretariado em
âmbito de Brasil.
Em suma,
são indícios de que o Secretariado carece de atenção por parte de seu grupo
profissional, em uma época em que se vive virtualmente conectado e plugado com todas
as partes do mundo, recebendo centenas de “curtidas” por socializar sentimentos
e emoções. Por outro lado, perde-se a verdadeira noção de “pertencer”, de se sentir
integrante, de se envolver, de se comprometer, tanto com o meio onde se vive,
como com a profissão que se exerce.
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